Tão Longe Tão Perto


Ao sair em Brasília
16/04/2011, 18:28
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Açaí da 202 norte, 21h, batendo papo com meu velho amigo:

– Posso me sentar com vocês?

Há, ninguém fala assim em Brasília. Desconfiada, do alto do meu preconceito construído desde a infância no plano piloto, tentei dispensar aquela figurinha de um metro e meio, estilo homem gabiru na estica, com calça jeans e boné. Evidentemente ele não fazia parte do cenário da superquadra: “é que a gente já tá indo embora”.

Ignorando o que devia mesmo ser ignorado, ele sentou e continuou a falar:

– Tenho medo do jeito daquele cara.

“Por quê?”, perguntei, olhando para trás. O cara era forte, grande e tava jogando o caô numa gatinha.

Tirei minhas conclusões sozinha, enquanto ele, mais uma vez ignorou minha pergunta, emendando com outra e outra e outra frase, costurando uma história bem mais interessante do que meu papo interrompido sobre o último final de semana.

– Como é que eu faço pra chegar no aeroporto? Meu amigo ia passar aqui pra me buscar, mas não apareceu. Não vou andando pra rodoviária não que tenho medo do que pode acontecer no caminho. Adoro aeroporto. Nunca andei de avião. Vim do Maranhão de carona num caminhão de frango que veio pra Goiânia. Os motoristas eram chegados meus, nem pela comida eu paguei. Agora só volto se for de avião. E mesmo assim só pra passear. Tenho saudade da praia, mas gosto mais daqui. Na minha cidade só tem praia de rio. Lá não dá pra viver, não tem trabalho. Cheguei em Goiás em janeiro. Vim pra Brasília há um mês. Se não for a essa hora pro aeroporto, não vou hora nenhuma. Tenho que tomar conta da obra. Acho que vai ser um prédio da polícia. Queria ir no Banco do Brasil, mas fechou. Eu durmo dentro do caminhão. Se chegar alguém eu dou partida. Até que gosto do reggae, mas não vou no espaço aberto não, é só confusão, não quero tomar tiro. Quero ver o que vai rolar na esplanada no aniversário de Brasília. Mas acho que só vai dar gangue. Não saí lá do Maranhão pra me meter em confusão aqui. Minha mãe já partiu, mora no céu.

Quando ele respirou, me despedi, pensando que felizmente havíamos embaralhado o sentido de proteção e lembrando da fragilidade e da força de não pertencer. Quem está em casa sempre parece mais protegido, embora se veja pretensamente ameaçado pelo que vem de fora. Mas a força do estranhamento é que faz a gente se reinventar para tentar acolher e ser acolhido.